quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Coração, se acalma... ainda há muito o que viver...

O coitadinho anda surtando há um mês e o pior, sabendo que não adianta surtar.
Você... queria um dia que entendesse o quanto é especial e eterna a sua presença na minha vida. "POLARIZE ME SENSITIZE ME CRITICIZE ME CIVILIZE ME COMPENSATE ME ANIMATE ME COMPLICATE ME ELEVATE ME"... esse trecho da música do Rush que ouvi naquele dia traduz exatamente essa minha bagunça com relação a você...rs. Avassalador.

Sabe, o grande "problema" de homens cobiçados como você e que são assediados é a dura realidade da sensação clara de que a pessoa que o quer, no caso eu, foi mais uma por não poder acompanhar os seus passos e mais dolorida ainda é a sensação e suposição de que talvez, mas muito provavelmente mesmo, daqui a um tempo você nem se lembre mais de mim. E ver seu olhar me queimando ao mesmo tempo acaba sendo uma loucura de tão contráditória que é a situação, fora que me deixava e ainda está deixando sem rumo, mas eu vou encontrá-lo de volta. Enfim, eu sei que nossas vidas têm rumos tão, mas tão diferentes que levam com que a gente se cruze ao acaso apenas e isso há um ano e dois meses e nunca tivemos nada além de acasos. E puxa vida, esses acasos são tudo o que eu tenho/tive de mais real até hoje em minha vida. A pena é o que nunca os nossos caminhos se encontram de verdade e isso é implícito em nossas escolhas de vida e carreira, sendo assim, praticamente nada além da música coage para que possamos nos conhecer mais, pois o que sei de você chega a ser um nada perto do que eu acredito que outras pessoas saibam.

Não, eu não me considero apaixonada, eu simplesmente sinto com uma intensidade tão grande tudo o que me acontece que me sufoca. Sufoca, aperta, parece arrancar pedaços de mim e tento esconder e me esforço para que ninguém perceba, tentando em vão fazer de conta que nada está acontecendo... odeio me sentir frágil, como se um vento fosse me rachar ao meio... mas é assim que me sinto, paciência. Não gosto de me sentir um vaso prestes a quebrar sobrando só caquinhos que virarão pó, mas pelo jeito, há um cristal de fina parede por trás da rocha que as pessoas vêem por fora quando me olham... essa sou eu. E tento manter a rocha a todo custo e você nem imagina o quanto...
Você que nunca vai se lembrar dos detalhes que eu tenho em minha mente, nem do quanto eu me perdi quando me abordou pela 1ª vez insinuando que queria ficar comigo, nem do quanto eu te quis mesmo sem achar que eu soube demonstrar isso nos momentos em que estivemos juntos. Um dia eu quero te falar o quanto você terá sempre a sua marca aqui, pois sua presença em minha vida é única e arrebatadoramente estranha, foi do nada que nos descobrimos, foi do nada que você entrou na minha vida e tenho motivos mais do que de sobra para saber por A+B que homem nenhum vai tirar sua imagem de mim, mesmo eu sabendo que ainda há muito sentimento aqui a ser transbordado e compartilhado. Entende? É como um amor platônico, pois nem amigos somos e tão pouco nos conhecemos direito, mas ao mesmo tempo, como pode? Eu senti seus beijos e seu corpo junto ao meu, me fazendo viajar e pedir para não acabar nunca! E foi mais real do que eu poderia imaginar em minha vida quando o conheci uns quase dois anos atrás e fantasiava que deveria ser muito bom ficar com você - eu não sonhava que um dia isso aconteceria. Já cheguei até mesmo a pensar que, se você não tivesse chegado perto de mim eu estaria tão sossegada agora! Imune, quietinha. Mas pobre, pois enriqueci minha vida com sua presença. Às vezes eu me faço de vítima, mas aí penso: certas coisas têm que acontecer comigo... ótimo então. Eu não me importo... que doa, como está de fato doendo, será uma cicatriz pra minha coleção: sinal de que brinquei com fogo, me queimei e tenho mais um capítulo bem escrito em minha história.
Sabe, eu não poderei te acompanhar de pertinho, mas estarei sempre aqui torcendo muito para que os seus passos lentos mas seguros - como você mesmo me disse - te levem aonde você quer chegar e eu sei que vai chegar. Seu sucesso será parte da minha alegria e eu vou olhar por você onde quer que você esteja: eu sempre procurarei notícias suas e sei que serão sempre as melhores. Eu queria que você soubesse disso tudo. Eu queria saber disso tudo por você mesmo, mas se não tiver como eu me viro e descubro.
Ah, te adoro pra sempre... pelo pouco que pude ter de alegria ao seu lado me sentindo desejada, por te ver dormindo, pelas sensações de coração saindo pela boca, pela tremedeira, pelo seu olhar me "fuzilando" de longe, pelos beijos e (primeiras) outras trocas, pelos ciúmes esquisitos das suas ex-namoradas bem como da inveja que eu senti delas em andar de mãos dadas com você e te beijar em público, pelos e-mails que trocamos e eu guardei todos, pelas tatuagens do seu corpo, pelo perfume do seu cabelo e pele, pela sensação de solidão e vazio de agora misturada com completude, pela sua ausência e pelas marcas que deixou em minha vida pra sempre.


Ao som de Queensrÿche, álbum Promised Land (1994)
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segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Seria coincidência...

... crise e crescimento terem as duas primeiras sílabas parecidinhas? Afinal, quem nunca falou "cresci após uma crise"? Sei lá, viu...

No fim das contas, o que são e pra que servem as crises existenciais??? Acabei de ter uma, são três e quase quatro da manhã, não fui dormir ainda e depois de ter agitado numa balada, onde amigos tocaram muito rock'n'roll, desfilaram, se abraçaram e se curtiram, vim pensando e divagando o caminho todo de volta pra casa - a partir do momento em que me encontrei sozinha, claro.

Nem sei por onde começo, mas a primeira pergunta: cadê aquela "mulher super resolvida"? Confesso: sumiu por uns instantes sim, afinal, bateu aquele vazio, aquela solidão, aquele sentimento de "Sozinha no Mundo" - título de um livro infanto-juvenil que não tive o prazer de ler ATÉ HOJE, rs. É uma mistura surreal de existência num mundo tão vasto e, ao mesmo tempo, ausência e solidão; ao mesmo tempo, a sensação hilária de que não sou sequer uma gotinha desse mar profundo e imenso, quem sabe nao serei 1/4 de gota, um dia desses? Todas as pessoas em algum momento já se sentiram terrivelmente sozinhas, querendo apenas um olhar... um abraço... nossa, como eu queria um agora. Eu queria aquele colinho pra me aconchegar e ficar quietinha sim, como diz a minha amada Scherazade de "Contadores de Histórias" (ver nos links). Sabe, foi isso o que mais me "aconchegou" às suas palavras... o que eu queria era um colo e senti como se você me descrevesse no que escreveu, senti na pele quase como brasa, era a expressão que me faltava no ápice da tal crise.

Uma pessoa muito querida e com quem me decepcionei um dia me deu um ensinamento que agora questiono - e nada tem a ver com o fato de não falar mais com essa pessoa, vamos deixar isso claro: ninguém te completa verdadeiramente, você é sozinho sempre e a caminhada é sempre solitária. Você tem que ser feliz consigo mesmo antes de querer ser feliz ao lado de outro. Eu concordei com lágrimas nos olhos, pois se eu fosse "completa com alguém" das duas uma: ou teria nascido grudada com a minha alma gêmea (o que não seria de todo ruim, vamos combinar!) ou então cada ser humano se bastaria como unidade formando outros indivíduos unos sem precisar conviver com quem quer que fosse, seja na amizade, na família, no sexo, no trabalho, enfim.

Entretanto, eis a minha grande dúvida... se o caminhar é tão solitário assim, se é absolutamente normal e se é algo intrínseco, não deveria ser ruim. Como então há tantas pessoas que sentem isso de forma ruim? Aliás, ele mesmo, tão ímpar, tão culto e de inteligência absurda não está "sozinho". Além de tudo, EU sinto às vezes que pelo menos pra mim É ruim SIM e me incomoda nos momentos em que isso aflora. Dói de um jeito que sufoca... odeio sentir isso, sempre acreditei ser ímpar até às vezes imaginar que seria mais interessante formar um par.

Sabe, vim pensando e pensando e pensando, cheguei em casa, meus pais dormindo, meu irmão no computador - claro que pertubei ele um pouco ou não sou eu a irmã que chegou em casa, rs - e continuo pensando, chega a irritar. E um dos pensamentos foi em algo que eu li sobre as almas gêmeas. No geral, fala sobre grupo de almas, como se a família se formasse de acordo com a ligação que há entre elas, assim como os círculos de amizades. Eu acredito nisso fervorosamente, se couber essa palavra no meu vocabulário. E o que eu vou postar abaixo traduz o que eu acho e, experiência própria, existem duas pessoas na minha vida que me fazem crer nisso. Duas... mas... e se houver a terceira??? Aliás, há essa terceira nesse instante em que eu também existo? Ou será lenda?


O Enigma das Almas Gêmeas

O enigma das almas gêmeas reside no fundo do coração de todos nós. Ansiamos por encontrar aquela outra metade que nos fará nos sentirmos inteiros, e somos abençoados se a encontramos. Mas será isso apenas uma fantasia romântica? Para aceitar o enigma das almas gêmeas, temos queconsiderar a idéia de que tudo no universo é uma expressão da dualidade divina, mas de que estamos aqui para cumprir um propósito mais elevado. (...)

A filosofia esotérica acredita que, quando nosso espírito separa-se da fonte da dualidade divida, nós passamos a ter uma consciência comum a um grupo de almas. Dentro desse grupo de almas, expressões individuais da alma emergem e se separam do grupo para se tornar alams orientadoras que contém a dualidade divina do Yin e Yang, nos princípios feminino e masculino. Esses dois princípios são almas gêmeas que têm certas tarefas kármicas a cumprir na vida física, antes que possam se integrar mais uma vez à fonte da dualidade divina.

Uma vez tomada a decisão de encarnar para empreender esses testes kármicos, as almas gêmeas dividem-se em dois seres distintos e entram no plano terrestre para começar a tarefa que lhes cabe na vida. Qualquer que seja essa tarefa kármica sua essência será sempre aprender a amar incondicionalmente na existência física, enfrentando todos os testes necessários para vencer essa experiência.

Pode não convir que duas almas encontrem-se novamente por muitas encarnações. Elas podem se encontrar em algumas vidas, e sentir uma atração muito forte, contudo, nenhuma terá se desenvolvido ou crescido o suficiente para se unirem.
Às vezes pode ser bom para ambas que uma não encarne, permanecendo, em vez disso, no grupo das almas para fazer outros tipos de trabalho kármico. A não ser que a pessoa saiba, no fundo do coração, que o parceiro divino não está caminhando sobre a Terra, haverá um anseio constante em encontrar essa outra "metade". É como se uma sensação de perda estivesse sempre presente, a despeito da intensidade dos relacionamentos que elas possam ter com outras pessoas. (...)

Quando ambas as almas estão na mesma vibração, as circunstâncias conspiram para unir as duas, a fim de que elas possam unir suas energias masculina e feminina e expressar a dualidade divina. Isso, porém, não quer dizer necessariamente que elas se tornem amantes. (...) por Susan Bowes


Coming Back To Life
Pink Floyd

Where were you when I was burned and broken

While the days slipped by from my window watching

Where were you when I was hurt and I was helpless

Because the things you say and the things you do surround me

While you were hanging yourself on someone else's words

Dying to believe in what you heard

I was staring straight into the shining sun

Lost in thought and lost in time

While the seeds of life and the seeds of change were planted

Outside the rain fell dark and slow

While I pondered on this dangerous but irresistible pastime

I took a heavenly ride through our silence

I knew the moment had arrived

For killing the past and coming back to life

I took a heavenly ride through our silence

I knew the waiting had begun

And headed straight...into the shining sun



sábado, 5 de janeiro de 2008

Redescobrindo o expressar e, quem sabe, o sentir

Acredito que a primeira coisa que vem à cabeça quando se pensa em ano novo é justamente o renovar-se, mudar, organizar. Mudança, essa eu enxergo como sendo a principal e mais visada palavra por todos pelo mundo afora. Bom, com 24 anos, na "flor da idade"... acho que agora, de verdade, estou sentindo essa necessidade. Quero me enxergar como ser humano pura e simplesmente, como mulher que estou me tornando dia após dia, como futura médica, como futura mãe - daqui uns anos, quem sabe, eu esteja apta a isso. Nunca antes eu senti essa tentativa mais forte de ter uma identidade, de ser vista como eu quero que me vejam. Eu me via como um bichinho do mato escondido, mas o que sempre escondi foi a minha essência, o meu valor e as minhas idéias. Sempre achei isso um trunfo guardado sob a manga, achando que me serviria de arma e essa arma acabei usando muitas vezes sim, só que contra mim mesma. Aprendendo e mudando pra melhor; é o que importa.

Pra comemorar essa volta às reflexões, vou começar a transcrever uns textos que estão fadados a irem para o lixo por serem sinônimos de papéis amarelados e amarelando pelo tempo. Vou tomar a liberdade de colocar como autor desconhecido os que eu de fato duvidar da autoria ou realmente desconhecê-los, melhor que não designar o nome correto à sua obra. São textos que ganhei, que fotocopiei, que transcrevi de outro lugar, enfim, que pra mim tiveram alguma importância, marcaram um dado e importante momento e não quero simplesmente apagar da minha vida, apesar de ter jogado tanta coisa fora - coisas das quais eu não conseguia me desfazer e só me acumulavam recordações desnecessárias, inclusive.

Comece então 2008, ano cuja soma dá 1 (amo números ímpares). :o)


O amor impossível é o verdadeiro amor (por Arnaldo Jabor - O Estado de São Paulo, terça-feira, 10 de dezembro de 2002)

Outro dia escrevi um artigo sobre o amor. Depois, escrevi outro sobre sexo. Os dois artigos mexeram com a cabeça de pessoas que encontro na rua e que me agarram, dizendo: "Mas... afinal, o que é o amor?" E esperam, de olho muito aberto, uma resposta "profunda". Sei apenas que há um amor mais comum, do dia-a-dia, que é nosso velho conhecido, um amor datado, um amor que muda com as décadas, o amor prático que rege o "eu te amo" ou "eu não te amo". Eu, branco, classe média, brasileiro, já vi esse amor mudar muito. Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico, um sonho político, contra o sistema, amor da liberdade, a busca de um "desregramento dos sentidos". Depois, nos ano 80/90 foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado, uma progressiva apropriação indébita do "outro". O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável. Hoje, temos controle, sabemos por que "amamos", temos medo de nos perder no amor e fracassar na produção. A cultura americana está criando um "desencatamento" insuportável na vida social. O amor é a recusa desse desencanto. O amor quer o encantamento que os bichos têm, naturalmente.

Por isso, permitam-me hoje ser um falso "profundo" (tratar só de política me mata...) e falar de outro amor, mais metafísico, mais seminal, que transcende as décadas, as modas. Esse amor é como uma demanda da natureza, ou melhor, do nosso exílio da natureza. É um amor quase como um órgão físico que foi perdido. Como escreveu o Ferreira Gullar outro dia, num genial poema publicado sobre a cor azul, que explica indiretamente o que tento falar: o amor é algo "feito um lampejo que surgiu no mundo/ essa cor/ essa mancha/ que a mim chegou/ de detrás de dezenas de milhares de manhãs/ e noites estreladas/ como um puído aceno humano/ mancha azul que carrego comigo como carrego meus cabelos ou uma lesão oculta onde ninguém sabe".

Pois, senhores, esse amor existe dentro de nós como uma fome quase que "celular". Não nasce nem morre das "condições históricas"; é um amor que está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, quase uma "lesão oculta" dos seres expulsos da natureza. Nós somos o único bicho "de fora", estrangeiro. Os bichos têm esse amor, mas nem sabem.

(Estou sendo "filosófico", mas... tudo bem... não perguntaram?) Esse amor bate em nós como os frêmitos primordiais das células do corpo e como as fusões nucleares das galáxias; esse amor cria em nós a sensação do Ser, que só é perceptível nos breves instantes em que entramos em compasso com o universo. Nosso amor é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo se interpenetrando. Por obra do amor, saímos do ventre e queremos voltar, queremos uma "reintegração de posse" de nossa origem celular, indo até a dança primitiva das moléculas. Somos grandes células que querem se re-unir, separados pelo sexo, que as dividiu. ("Sexo" vem de "secare" em latim: separar, cortar.)

O amor cria momentos em que temos a sensação de que a "máquina do mundo" ou a máquina da vida se explica, em que tudo parece parar num arrepio, como uma lembrança remota. Como disse Artaud, o louco sobre a arte (ou o amor): " A arte não é a limitação da vida. A vida é que é a imitação de algo transcendental com que a arte nos põe em contato." E a arte não é a linguagem do amor? E não falo aqui dos grandes momentos de paixão, dos grandes orgasmos, dos grandes beijos - eles podem ser enganosos. Falo de brevíssimos instantes de felicidade sem motivo, de um mistério que subitamente parece revelado. Há, nesse amor, uma clara geometria entre o sentimento e a paisagem, como na poesia de Francis Ponge, quando o cabelo da amada se liga aos pinheiros da floresta ou quando o seu brilho ruivo se une com o sol entre os ramos das árvores ou entre as tranças da mulher amada e tudo parece decifrado. Mas, não se decifra nunca, como a poesia. Como disse alguém: a poesia é um desejo de retorno a uma língua primitiva. O amor também. Melhor dizendo: o amor é essa tentativa de atingir o impossível, se bem que o "impossível" é indesejado hoje em dia; só queremos o controlado, o lógico. O amor anda transgênico, geneticamente modificado, fast love.

Escrevi outro dia que "o amor vive da incompletude e esse vazio justifica a poesia da entrega. Ser impossível é sua grande beleza. Claro que o amor também é feito de egoísmos, de narcisismos mas, ainda assim, ele busca uma grandeza - mesmo no crime de amor há um terrível sonho de plenitude. Amar exige coragem e hoje somos todos covardes."

Mas, o fundo e inexplicável amor acontece quando você "cessa", por brevíssimos instantes. A possessividade cessa e, por segundos, ela fica compassiva. Deixamos o amado ser o que é e o outro é contemplado em sua total solidão. Vemos um gesto frágil, um cabelo molhado, um rosto dormindo, e isso desperta em nós uma espécie de "compaixão" pelo nosso desamparo.

Esperamos do amor essa sensação de eternidade. Queremos nos enganar e achar que haverá juventude para sempre, queremos que haja sentido para a vida, que o mistério da "falha" humana se revele, queremos esquecer, melhor, queremos "não-saber" que vamos morrer, como só os animais não sabem. O amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver. Como os relâmpagos, o amor nos liga entre a Terra e o céu. Mas, como souberam os grandes poetas como Cabral e Donne, a plenitude do amor não nos faz virar "anjos", não. O amor não é uma demanda da terra, é o profundo desejo de vivermos sem linguagem, sem fala, como os animais em sua paz absoluta. Queremos atingir esse "absoluto", que está na calma felicidade dos animais.


Adriana Calcanhotto
Inverno

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei
Lá mesmo esqueci que o destino sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois
Pouco antes de o ocidente se assombrar